CONEXÃO REAL NA PANDEMIA

Talvez o que o incomoda é não poder sair e ver um amigo – apertar a mão, dar um abraço e almoçar. Ou talvez seja a quinta chamada de zoom do dia que consome um pouco mais de energia do que uma conversa cara a cara. Todos sabemos que precisamos de conexão. Nós precisamos de outras pessoas. Mas o que foi especialmente revelado (pelo menos em meu coração) durante esta temporada de “distanciamento” é que não precisamos apenas estar fisicamente presentes com as pessoas, precisamos estar realmente presentes com as pessoas. Há uma diferença. Não é que não tenhamos entendido isso antes. Alguns de nós sempre soubemos que precisamos de relacionamentos que nos levem mais fundo do que o “Ei, como vai você?”. Mas nossa situação está revelando ainda mais os anseios de nossos corações.

Por que precisamos de conexão real?

  1. Somos propensos à descrença

Precisamos dos outros porque nossa natureza pecaminosa endurece nossos corações naturalmente, afastando-nos de Deus. Hebreus 3: 12-13 – “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama HOJE, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado”

 

O pecado é enganoso. Somos atraídos  para pensar apenas em nós mesmos, no que mais queremos e no que nos servirá. A disposição natural de nossa natureza pecaminosa é interior.  Por causa dessa disposição, o escritor de Hebreus instrui o povo de Deus a prestar atenção um ao outro, “exortando- se todos os dias” . Portanto, não podemos simplesmente assumir que tudo está bem. Isso sempre é verdade, mas especialmente nesta época de medos, dúvidas, ansiedades e crescentes conflitos torna-se mais relevante. Há um inimigo à nossa volta, procurando nos devorar (1 Pedro 5: 8). Precisamos de outros para encorajamento – simplesmente não podemos enfrentá-lo sozinhos.

  1. Estamos propensos a perder a esperança

    Não podemos ignorar a esperança que temos em Jesus. No meio das provações, o escritor de Hebreus diz à igreja que mantenha firme a esperança que professa. Hebreus 10:23  – “Vamos manter firme a esperança que professamos, pois quem prometeu é fiel.” Essa esperança leva-nos a aproximarmos de Deus com plena certeza da fé, porque fomos perdoados pelo sangue de Jesus (v. 19-22). Não nos lembramos de quanto fomos perdoados. Todos somos propensos a esquecer o evangelho da graça – especialmente quando vemos nosso próprio coração.

No Salmo 103:1-2, Davi escreve: “Bendize , ó minha alma ao Senhor, e tudo que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma  e não te esqueças de nenhum só de seus todos  benefícios “. Quais são esses benefícios?  “Ele não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui consoante as nossas iniquidades. Pois quanto o céu se alteia acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem. Quanto dista o Oriente do Ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões” (Sl 103:10-12).

Ao falarmos as verdades do evangelho, nosso coração se suaviza. Mas, em meio às circunstâncias adversas somos tentados a esquecer e perder a esperança. Então, qual deve ser a nossa reação? Voltemos a Hebreus 10: 24-25: “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o DIA se aproxima”. Dois princípios são claros nessas passagens: nossa conexão deve ter  alta frequência  e  encorajamento intencional.

Como podemos nos conectar com qualidade diferenciada? Sentimos a necessidade de nos conectarmos com frequência. Mas como nos conectamos agora fará toda a diferença. Nossa tendência é  fugir da profundidade, especialmente se estamos em uma plataforma de videoconferência. No entanto, para incentivar nossos irmãos e irmãs, precisamos tomar a decisão de  ficar abaixo da superfície, para realmente estarmos  presentes com as pessoas.

Nesta pandemia cheia de limites e complexidades, aqui estão algumas maneiras pelas quais podemos encorajar uns aos outros:

  1. Ouça bem os outros

Para entender o que realmente está acontecendo com alguém, ouvir é o primeiro passo (Tiago 1:19). Prestar atenção à pessoa, à sua linguagem corporal, às inflexões de voz, com paciência e interesse genuíno!

  1. Faça perguntas

Freqüentemente, em conversas, fazemos perguntas predeterminadas que partem do pressuposto de que nós sabemos antecipadamente o que a pessoa precisa ouvir. No entanto, agindo assim, corremos o risco de estar compartilhando o que na verdade nós precisamos ouvir e não o que ela de fato necessita ouvir. Lembre-se disto: uma boa audição levará a boas perguntas. Preste atenção. Entre no lugar das pessoas. O que elas estão experimentando? Imagine-se como elas vivenciam as mesmas circunstâncias. Em seguida, ore pela ajuda do Espírito e faça uma pergunta relevante.

Para ajudar a ficar abaixo da superfície, faça sempre uma segunda pergunta. Não pare com “como você está?” Vá além e faça a segunda pergunta : como você está realmente ? Pode ser algo como isto: “Que emoções você está sentindo em relação ao que acabou de compartilhar? Que pensamentos você teve recentemente e que foram surpreendentes para você? Que comportamentos você já viu em você e que apontam para a necessidade de um Salvador? O que você realmente espera que Deus faça nessa situação e o que isso diz sobre o que você deseja? Como é o arrependimento nessa situação?”

  1. Lembre-os da esperança em Jesus

Quando ouvimos bem e fazemos perguntas sábias, isso nos permite incentivar e conectar a esperança do evangelho a uma necessidade específica,  abrindo portas para perguntas como: “E a obra de Cristo para você na cruz agora é mais significativa para você?” E isso permite que você aprofunde a conexão – “posso compartilhar algo com você que possa incentivá-lo?” – proporcionando a oportunidade de compartilhar aspectos da Palavra de Deus que se aplicam a suas circunstâncias particulares. Você ouviu bem e ouviu o coração deles. Então ore para que o Espírito Santo lhe dê as palavras certas para falar no momento certo. Agora é hora de incentivá-los com o evangelho. E, como nos conectamos com uma necessidade real , podemos incentivá-los bem .

Não aplicamos as Escrituras de uma maneira fria e limitada, mas relacionando-a  com  todos os detalhes de sua vida. Esse equilíbrio de verdade e amor é o corpo de Cristo em ação. A pessoa sentirá o amor de Jesus e ouvirá a verdade do evangelho de uma maneira que se sentirá motivada a mudar. Muito está sendo trazido à tona agora. Não vamos negligenciar esta oportunidade única de realmente estarmos presentes com as pessoas!

 

Caleb Martin

Diretor de Discipulado Masculino na Igreja Perimeter

 

 

 

A SELEÇÃO DE JESUS – JO 1:35-51

Sou, desde a infância, um apreciador do futebol. Meu saudoso pai, apaixonado pelo Fluminense, deixava o rádio ligado num volume que toda a meninada se sentia obrigada a ouvir. Sem TV, assistia os gols com meses de atraso no famoso Canal 100, jornal que antecedia os filmes do Cine São Patrício, em minha cidade natal. Ao receber o abraço salvador de Jesus na cruz do calvário, minha admiração ampliou-se, pois percebi que alguns valores do futebol têm paralelo na caminhada cristã.

Selecionar doze atletas, resgatar o potencial individual de cada um deles, conectá-los diferenciadamente com Ele e uns com os outros, formar um time competente, treiná-lo prioritariamente por meio de um relacionamento íntimo,  entrar no campeonato  da história para promover salvação e transformação de todas as pessoas de sua geração e de todas as gerações,  de sua nação e de todas as nações,  este também foi o maior desafio do treinador Jesus.  Os resultados de seu sonho revolucionaram a história mundial mas, acima de tudo, a história de homens e mulheres que descobriram em Jesus um novo propósito para viver e no Seu discipulado uma missão relevante para se cumprir. Quais são os elementos que envolvem a seleção na caminhada do discipulado? A SELEÇÃO DE JESUS…..

 

TEVE UM “OLHEIRO” EFICIENTE: JOÃO BATISTA (v. 35-36)

 

“Olheiro”, no jargão futebolístico, é aquele que, dentre outras coisas, descobre novos valores para o time. Ronaldo, atacante diferenciado, foi descoberto por Jairzinho, que brilhou na copa de 1970. João Batista, sem a anuência especifica de Jesus, cumpriu informalmente esta função: apontou para Jesus (v. 35-36) foi profundamente responsável no cumprimento da missão que lhe fora conferida por Deus, pois ao ver Jesus não hesitou em reconhece-LO como o “Cordeiro de Deus” (v. 36);  abriu mão dos seus discípulos (v. 35-36) – ao apontar para Jesus, o próprio João Batista deu aos seus seguidores a senha para “mudarem de time”.  Diante desta perda imediata de influência, não se vê em JB nenhum ressentimento ou qualquer tipo de retaliação. Humildemente, ele identificou os limites de seu ministério e os aceitou com grande alegria (veja Jo 3:22-30).

 

TEM UM PROCESSO BÁSICO DE FORMAÇÃO (v. 35-42)

 

A entrada no “time de Jesus” foi individual, mas obedeceu a princípios aplicáveis a todos os “atletas” que foram formando esta seleção que iria posteriormente, após  o impacto notável da Sua ressurreição, realizar a maior de todas as revoluções…

 

* Ouvir o testemunho a respeito de Jesus (v. 35-37) – “Testemunho” é uma ideia chave no Evangelho de João.   Como seu objetivo foi fazer com que seus leitores conheçam Jesus como o “Cristo” = Messias = Filho de Deus = Deus (Jo 20:30-31)  ele valeu-se do relato  de diversas testemunhas, as quais foram provocando adesões à seleção de  Jesus (Jo 4:39).  Cada cristão é chamado a  ser uma  testemunha de Jesus (At 1:8),  fazendo  novos discípulos em todas as nações (Mt 28:18-20).

 

* Romper laços anteriores (v. 37) – A integração à  seleção de Jesus  pressupõe uma mudança radical de vida, na qual a renúncia de todas as coisas é condição absoluta e inegociável (Lc 5:27-28; 14:26, 33).

 

* Seguir Jesus (v. 37) – Ser cristão não significa estabelecer um vínculo com uma instituição religiosa cristã, mas com a pessoa de Jesus, fazendo Dele a referência central, prioritária e absoluta.

* Definir claramente o objetivo (v. 38) – “Pessoas certas,  nos lugares certos,  pelas razões certas”  –  não basta “ser de Jesus”, transitar por espaços “cristãos”, sem, contudo, ter a motivação correta. “Que buscais” (v. 38),      a pergunta feita aos novos discípulos do passado é feita também hoje – o que queremos  no time de Jesus: status, entretenimento, bens ou apenas Jesus e a Sua glória?

 

* Conhecer Jesus relacionalmente (v. 38b-39) – Diante  do convite para  “vir e ver”,  os novos discípulos   “foram, viram e ficaram” com Jesus. Discipulado significa “estar com Jesus” (Mc 3:14), numa relação de intimidade crescente,   através  da qual  somos  transformados por Ele. A maior expectativa de Jesus é que O conheçamos particularmente e transformativamente (Jo 14:6-9; 17:3).

 

* Partilhar de Jesus espontaneamente (v. 40-42) – André  foi tão impactado por Jesus que,  agilmente, levou seu irmão Pedro para a “seleção”  que acabara de entrar. Conhecer Jesus e torná-lo conhecido – comunhão e missão – estas duas marcas são pilares de uma caminhada séria com Jesus. A expansão da fé cristã  não é  responsabilidade dos profissionais da religião,  mas de cada discípulo   que é impactado pela companhia de Jesus.

 

TEM UM CHAMADO CLARO (v. 43-51)

 

A vinculação de Filipe e Natanael à seleção de Jesus reafirma e amplia valores importantes para aqueles que querem hoje, igualmente, dizer “sim” a Jesus.     Afinal,  quais são de fato as dimensões do chamado cristão?

 

* Chamado à uma pessoa: Jesus (v. 43)“Segue-me”, o desafio que impactou Filipe atravessou os séculos. Jesus procura “seguidores” e não religiosos, gente que se disponha a colocá-LO em primeiro lugar (Jo 1:15, 30),    desenvolvendo com Ele uma relação de amizade responsável (Jo 15:14-15).

 

* Chamado às Escrituras (v. 45) – “Se apenas um homem tivesse escrito um livro de predições sobre Jesus Cristo,    relativas ao tempo e ao modo de seu advento, e se Jesus Cristo tivesse vindo de acordo com essas profecias,  já estaríamos diante de  uma  força infinita. Aqui, porém, há mais do que isso. Há uma sequência de homens que, durante quatro mil anos, constantemente e sem variação, vêm, uns  após outros, predizer o mesmo acontecimento. Há quatro mil anos um povo inteiro o anuncia e subsiste para, coletivamente, dar testemunho das certezas que tem e das quais não se pode esquecer, sejam quais forem as ameaças e perseguições. Isto é muito mais considerável” (Pascal – filósofo francês). Filipe, antes de conhecer Jesus pessoalmente,  o  conheceu nas Escrituras (v. 49). Os selecionados de Jesus se comprometem com as Escrituras Sagradas (Jo 5:39-40), pois por elas experimentam um conhecimento mais profundo Dele (Lc 24:25-32, 44-48).

 

* Chamado à experiência (v. 46)A fórmula “vir e ver”,  usada no v. 39 por Jesus,  e repetida aqui por Filipe,   traduz  a real dimensão do discipulado cristão. Mais do que apreender intelectualmente alguns conceitos   sobre Jesus, somos chamados a uma experiência genuína e crescente do seu imenso poder (Jo 4:40-42; 9:24-25).

 

* Chamado à compreensão e proclamação da singularidade de Jesus (v. 47-49)Jesus é singular porque nos conhece mais do que nós nos conhecemos (v. 47-48a; 2:25);   e se interessa por nós antes mesmo de nos interessarmos por Ele  (v. 48). A descoberta destas realidades levou Natanael à conclusão de que Jesus é Deus. Hoje, como novos “Natanaeis”, uma vez ligados a Jesus e sua seleção, somos desafiados a proclamar entusiasmadamente sua  singularidade.

 

* Chamado à visão de cousas extraordinárias (v. 50-51). A promessa de Jesus permanece a mesma:  seus “selecionados”,  pela via da fé, são levados  à visão de grandes coisas e,  acima de tudo,  à visão do “céu” onde prevalece a  sua  autoridade  que confere felicidade eterna.

 

Concluindo, ressalto que minha admiração pelo futebol vem  acompanhada  de um desencanto. Afinal, nele também encontramos os piores sentimentos da natureza humana: mentira, orgulho, violência, exploração, corrupção, enfim, como costuma dizer Hailé Pinheiro, o mais longevo e importante diretor do Goiás Esporte Clube: “o futebol é um lugar de prostituição permanente”.

Por outro lado, os relatos dos evangelhos sobre a seleção de Jesus,  não deixam dúvida sobre a fragilidade de seus atletas. No final de  um longo treinamento de três anos,  trocaram farpas para descobrir quem deles era o maior (Lc 22:24) e, de forma transparente e dura, foram todos reprovados por causa da incredulidade e dureza de coração (Mc 16:14). Contudo, tocados por seu amor sacrificial na cruz do Calvário, bem como pelo poder de sua ressurreição e ascensão, que proporcionou a liberação capacitadora do Espirito Santo,  eles abraçaram o mais extraordinário de todos os desafios da história humana: ser e fazer discípulos em todas as nações (Mt 28:18-20).

Este desafio da Grande Comissão continua o mesmo: no discipulado, cada pessoa é chamada a entrar imediatamente e responsavelmente no time de Jesus, conhecendo-O prioritariamente, recebendo seu treinamento,  vestindo sua camisa, vivenciando e divulgando Sua visão do jogo da vida, reconhecendo-O a cada dia como o grande comandante, o único que pode  levar  à vitória plena! Sermos parceiros de Jesus nesta admirável caminhada do Reino, este é o nosso sonho, esta é a nossa vida!

 

 

Pr. Jair Francisco Macedo (adaptado do livro que o Senhor me deu graça para escrever  “Vida em Jesus – Uma Caminhada de Discipulado no Evangelho de João”).

DIALOGANDO SOBRE DISCIPULADO

Matt Smethurst              Pr. Handy Pope

“Se você quer um legado, um efeito geracional, então invista sua vida na vida de alguns poucos homens ou mulheres”.

Reproduzimos aqui entrevista dada pelo  Pr. Handy Pope a Matt Smethurst, publicada originalmente no site The Gospel Coalition (TGC). Pope, atualmente, é  presidente do Discipulado Missional Life on Life nos EUA e um entusiasta de sua expansão no Brasil e no mundo.

TGC: Quais são os equívocos ou erros mais comuns relacionados ao discipulado que você percebe nas igrejas evangélicas hoje?

Randy Pope: O grande equívoco na maioria das igrejas de hoje é a noção de que se simplesmente dermos boas direções, podemos delegar o trabalho do ministério e esperar bons resultados. Claro que todos podemos apontar para aquela rara e saudável ovelha que faz como foi instruída, mas descobri que, como diz Ken Blanchard, passar de direcionar para delegar tende a criar “aprendizes desiludidos”. Como líderes, então, é importante entendermos esse significado. Podemos involuntariamente criar aprendizes desiludidos, e a tragédia é que esses indivíduos talvez nunca compreendam completamente que Deus pode usá-los em sua grande história de redenção – mesmo que sua primeira tentativa tenha terminado em fracasso. Nós acreditamos que é necessário algo mais do que direcionar e delegar.


TGC
: O que é o conceito de trazer o discipulado de volta à igreja local, e por que ele é significativo?

Randy Pope: Durante décadas a igreja se concentrou em muitas coisas além do discipulado pessoal. Esse discipulado foi em grande parte “terceirizado” para outros ministérios. No livro “Discipulado na Igreja Local”,  chamo pastores para trazerem o discipulado de volta às suas igrejas. Eu falo com pastores que realmente não acreditam que o discipulado pessoal possa ser feito dentro da igreja. Eu entendo o pensamento deles e simpatizo um pouco. No entanto, se acreditamos que a igreja tem a oportunidade de afetar a vida dos indivíduos e então, através desses indivíduos, afetar comunidades, cidades e pessoas em todo o mundo, é imperativo que tenhamos um plano para ajudá-los a se tornarem cristãos maduros e capacitados. O resultado que desejamos deve ser seguidores de Cristo maduros e capacitados investindo suas vidas na vida de outros e levando as boas novas do evangelho para o mundo perdido em que vivem, trabalham e têm seus momentos de lazer.

TGC: Por que você não permite que os pequenos grupos de sua igreja se transformem em estudos bíblicos?

Randy Pope: Ok, vou deixar claro que não somos contra estudos bíblicos. Na Perimeter temos vários grupos que se reúnem e fazem uma variedade de estudos. Muitos desses pequenos grupos realmente estudam a Bíblia. Nesta declaração, estou fazendo uma distinção entre pequenos grupos e nossos grupos jornada¹, que fazem parte do nosso esforço de discipulado pessoal. Quando digo que não permito que os grupos de jornada se tornem um estudo bíblico, quero dizer que o estudo da Bíblia deve ocorrer como preparação para o nosso tempo juntos; assim, quando nos reunimos, teremos tempo para fazer muitas outras coisas necessárias para criar cristãos maduros e capacitados.

Por exemplo, asseguramos que a Verdade (Truth) seja discutida de forma compreensível e utilizável, e nos referimos a isso como Capacitação (Equipping). Nossos grupos jornada também incluem Prestação de Contas (Accountability), já que a Verdade sempre tem implicações na medida em que ela age em nossas vidas e através delas. Depois de desafiar uns aos outros na área da Missão (Mission), investimos em Oração (Supplication) uns pelos outros. Isso forma uma estrutura que chamamos TEAMS², e serve como um sistema operacional para nossos grupos jornada de discipulado.

TGC: Você comenta que o discipulado pessoal não “simplesmente acontece”. “É preciso um trabalho árduo e um plano definido”. Dado que nossa vida ocupada é um obstáculo tão comum para tais relações de discipulado, o que você diria ao crente que deseja discipular, mas tem dificuldade para encontrar tempo para isso?
Randy Pope: As pessoas estão ocupadas. Eles têm pouco ou nenhum tempo livre em suas vidas. Certamente as pessoas na Perimeter não são diferentes. No entanto, como é frequentemente o caso das pessoas ocupadas, elas não se opõem a se envolver em algo se o retorno dessa atividade exceder o valor do tempo investido. As pessoas querem que sua vida valha para algo. Quando os crentes começam a entender a história de Deus, seu primeiro impulso é o desejo de entender seu papel nessa história. Nosso trabalho como líderes, então, é mostrar-lhes como eles podem se envolver sem sacrificar suas famílias ou sofrer de esgotamento.

São necessárias habilidades para encontrar um equilíbrio de vida que permita que homens e mulheres sejam intencionais em relação às suas escolhas e não apenas deixem a vida os levar. O discipulado dá a homens e mulheres a oportunidade de ganhar essas habilidades. Além disso, através da prestação de contas nos relacionamentos com membros do grupo jornada, há a construção de um suporte para eles, enquanto procuram alinhar suas vidas com o chamado de Deus. Muitas vezes digo às pessoas: “se você quer um legado, um efeito geracional, então invista sua vida na vida de alguns poucos homens ou mulheres”. Não há nada mais emocionante do que ver uma pessoa crescendo espiritualmente e sendo usada para ajudar alguém a fazer o mesmo.

TGC: Ao longo das duas últimas décadas sua igreja resolveu tornar o discipulado pessoal seu “objetivo de vida ou morte”. Como isso é encorajado e vivido de maneira prática entre os membros?

Randy Pope: Igrejas têm personalidade, e muitas vezes assumem a personalidade de seu líder. Para o bem ou para o mal, sei que muitas das características da Perimeter devem-se ao meu longo período como pastor fundador. Em nosso contexto, falamos constantemente sobre a missão a qual sentimos que Deus nos chamou – para “fazer seguidores de Cristo maduros e capacitados, para o bem da família, da comunidade e da transformação global”. Isso prepara bem o cenário para uma necessidade contínua de que pessoas estejam capacitadas e então se envolvam onde vivem, trabalham e têm seus momentos de lazer. Nosso desejo é que elas não se contentem em se manter à margem. Acreditamos que elas querem investir suas vidas em algo significativo. Então encorajamos nosso povo a tornarem-se adoradores sinceros e a verem a si mesmos como embaixadores do Reino, levando o evangelho às pessoas que Deus estrategicamente colocou em suas vidas. Nós poderíamos fazer um trabalho melhor, mas Deus tem sido gentil conosco enquanto continuamos a nos fazer disponíveis e procuramos ser fiéis ao seu chamado a nós como igreja.

¹No Brasil, eles são chamados grupos de discipulado missional life on life.
²TEAMS: Truth, Equipping, Accountability, Mission, Supplication. Teams significa times ou equipes. No entanto, não há um acróstico semelhante em português que reúna as cinco ênfases citadas pelo autor.

AJUSTANDO A RESPONSABILIDADE

 

“Não assuma nada”, este  é um lema pelo qual tento viver na liderança de meu grupo de discipulado. Eu quero liderar de uma maneira que priorize a escuta em vez de  minhas suposições. Este é um desafio, porque todos estamos fazendo suposições constantemente. A disciplina está em aprender  a fazer uma pergunta  primeiro. Isso pode confirmar que nossa suposição foi precisa, mas também pode mostrar que ela estava errada.

Ao ouvir algumas pessoas nas últimas semanas dessa pandemia, minhas suposições  mostraram-se falsas. A diversidade de novos desafios que elas  estão enfrentando neste momento é impressionante. Muitos desses desafios são incrivelmente específicos e únicos para uma pessoa, empresa ou família. Por isso, não há uma bala de prata, não há uma resposta geral que cubra cada situação. Ao mesmo tempo, nenhum de nós já passou por isso antes, então não podemos liderar confiando na experiência passada para ajudar os outros.

Nestes novos tempos, o discipulado deve se tornar mais pessoal do que nunca. Uma das principais áreas para realizar esse trabalho relacional é a prestação de contas. Fazendo boas perguntas e ouvindo  bem, minimizamos nossas suposições e entendemos verdadeiramente o que as outras pessoas estão passando. Depois de entender a situação, você pode perceber que não tem conselhos a dar.  Então, o que você faz? A boa notícia é que a palavra essencial para a liderança não é conselho, mas dependência exclusiva  do Senhor! Lembre-se, o Espírito Santo está trabalhando em sua vida hoje, nesta pandemia, tanto quanto esteve no passado! Ele começou uma boa obra em você e irá completá-la até o dia de Cristo Jesus!  (Fp 1:6).

Atente para a palavra de 1 Coríntios 3: 6-9 : “ Eu plantei, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento. Portanto, nem quem planta nem quem rega é alguma coisa, mas somente Deus que dá o crescimento . Quem planta e quem rega é um, e cada um receberá o seu salário, conforme o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus” . Você é o campo de Deus, o edifício de Deus! Quando você não sabe o que fazer ou dizer, a oração é o melhor lugar para começar . Não negligencie o poder da oração neste momento. Temos o privilégio de ser co-trabalhadores com Deus, mas somente Ele é quem traz o crescimento!

Faça mais perguntas . A incapacidade de dar conselhos pode ajudar sua liderança mais do que você imagina. Como você mesmo não pode transformar as pessoas, a melhor opção que  você  tem  é ajudá-las a percorrer o caminho. Algumas perguntas podem ser relevantes para a concretização deste apoio. Aqui estão alguns exemplos:

  • “Quais são as opções à sua frente?”
  • “O que você está sentindo?”
  • “O que você deseja?”
  • “Como Deus pode estar trabalhando em sua vida por meio disso?”
  • “Como você pode ser uma bênção para seus filhos / cônjuge / família alargada / colegas de trabalho / clientes / fornecedores / vizinhos / etc. nessa situação?”
  • “O que você pode fazer esta semana para avançar?”

E lembre-se, você tem o benefício de uma comunidade de pessoas dentro do seu grupo (e da igreja em geral),  que podem estar passando por coisas semelhantes. Mesmo que nada de extraordinário seja feito, o simples ato de suportar as cargas uns dos outros – mesmo quando elas não podem ser “resolvidas” – pode trazer um conforto incrível no meio da luta.

Estabelecida a base para encarar os desafios de outras pessoas por meio da  prestação de contas, quero dedicar algum tempo citando alguns problemas,  que podem despertar seus pensamentos sobre a otimização da prestação de contas nas próximas semanas. Isso pode parecer um pouco com uma lista de lavanderia, mas pense nela quase como um quadro branco para reflexão: deixe que as idéias que ressoam em você estimulem seu pensamento; aquelas que não se conectam, ignore-as.

  • Com novos ritmos de vida, surgem novas ou diferentes tentações. Como uma mudança de horário, responsabilidades ou local abriu as portas para tentações específicas?
  • Os conflitos relacionais podem estar em ascensão, pois muitos vivem em locais fechados e com tempo limitado. Freqüentemente, o conflito que surge não é necessariamente novo, mas algo que foi deixado sob a superfície por um tempo e agora tornou-se inevitável.  A boca fala do que está cheio o coração (Mt 12:34). Como está seu coração nesta nova situação?
  • A maioria das pessoas passava a maior parte do tempo da semana fazendo seu trabalho, seja ele um trabalho remunerado ou o duro trabalho de criar filhos, e o que faziam frequentemente  dava algum senso de identidade. Para quase todos, esse trabalho sofreu, de uma maneira ou de outra, uma mudança drástica: perda de emprego e renda; trabalho em casa; cuidado com as crianças; responsabilidade com a educação escolar delas; carga de trabalho drasticamente reduzida; o estresse para impedir que uma empresa afunde; a tensão (e possível ressentimento) de estar “em casa”, mas inacessível à família; medo de exposição ao COVID-19 durante o trabalho; preguiça em atender as demandas do empregador; excesso de trabalho expondo os ídolos do coração.

Não podemos subestimar o impacto que esses tipos de mudanças estão trazendo nas pessoas. Se não falarmos sobre isso, provavelmente estaremos perdendo uma oportunidade de discernir algumas coisas que mais pesam no coração das pessoas: a adoração pessoal – como os novos ritmos da vida afetaram o tempo designado para estar com o Senhor? A segurança financeira –  como alguém pode encontrar assistência financeira? Como a instabilidade financeira pode expor um coração de ganância? Como ela pode ser uma oportunidade de exercer generosidade? Os impactos diretos da Covid 19 – a contaminação com o vírus; o cuidado com algum familiar contaminado; o impacto emocional do isolamento social; a obrigação de ficar em casa para introvertidos e extrovertidos; a ausência de privacidade no lar; as conexões sociais precárias; o vazio causado pela ausência de filhos e netos; uma tendência à ansiedade e depressão…

Temos então, uma excelente oportunidade para estimular as pessoas a se conectarem e a encontrarem recursos que possam efetivamente favorecê-las. Como uma rotina de exercícios físicos pode trazer saúde física? Quais são as oportunidades que a pandemia está trazendo para o trabalho, família e a missão do Reino? Em meio a todas estas realidades, vale lembrar que o sentimento que pode estar tocando mais alto para as pessoas (incluindo líderes) é o medo. A resposta para ele não é simplesmente estabelecer alguns passos de boas ações. Em toda a Bíblia, o refrão repete: “Não tema, porque eu estou com você.” Enquanto caminhamos com as pessoas por tudo isso, precisamos apontar para os outros e para nós mesmos na direção  DAQUELE:  que nunca nos deixa ou nos abandona,  porque Ele mesmo experimentou o abandono para que nunca nos sentíssemos sozinhos;  que é o único que suporta nossas cargas e concede uma paz que supera a nossa compreensão; que alimenta os corvos e sabe que também precisamos de comida; que está sentado em Seu trono controlando todas as coisas. Portanto, ajude as pessoas, faça ajustes, ande com elas, seja conduzido pelo poder do Espírito de Deus em meio a estas realidades desconhecidas e aponte sempre para Aquele que pode trazer paz aos nossos medos.

Ryan Brown (Diretor de Treinamento e Desenvolvimento de Líderes do Life on Life/EUA)